segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Liga da Justiça II: Possessão artística X libertação

Ontem escrevi um longo texto sobre o poder artístico do mix "Liga da Justiça - o melô da mulher maravilha" e vocês podem conferi-lo aqui no blog. O fato é que alguns leitores não me acharam, SUFICIENTEMENTE, claro e me pediram para que eu esclarecesse, por exemplo, como é que "Liga da Justiça" pode ser muito mais poderosa, artística do que "O mundo é um moinho" do compositor Cartola. De imediato gostaria que a apreciação não tomasse este tom desafiador, isto é, como se houvesse mais verdade numa música, numa manifestação artística do que na outra. Seria o mesmo se tentássemos comparar, por exemplo, Roberto Carlos a L. V. Beethoven. Não é isto o que importa, isto é, esta comparação de SENSO COMUM. O que importa, então? A natureza artística da AFIRMAÇÃO DA VIDA ou de sua NEGAÇÃO relacionados aos valores existentes. Para minha comodidade, separarei os últimos versos da composição de Cartola para análise e na medida do possível tentarei relacioná-lo à "Liga da Justiça". Sendo, assim, passemos aos versos de Cartola: "Preste atenção querida/ De cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando notares estás à beira do abismo/ Abismo que cavaste com os teus pés". Composição magnífica, arranjo maravilhoso, melodia espetacular que nos faz viajar por uma plaga de desejo e sofrimento. Eu só gostaria de nos redimensionar para além do verso, para além da estrutura musical, para além do próprio Cartola que ao compor tal música, isto é, ao arranjar tais versos dentro de uma estética musical, RATIFICA o peso da vida, da existência e, assim, deseja restituir valores antigos a dimensões estruturais envelhecidas, ultrapassadas. Para quem não sabe, esta composição fora feita em homenagem de sua filha - filha de Cartola - que anuncia um amor e que em face deste amor deseja sair de casa para vivenciá-lo e, assim, desafia a ordem dos valores sociais de seu tempo e lugar como, por exemplo, desafia a autoridade paterna e o desgarrar de moça virgem (a liberdade e o empoderamento, a tomada de decisões da mulher frente o mundo em que vive). A composição inteira de Cartola é uma NEGAÇÃO DA VIDA, negativa da libertação dos valores. Veja: amor e cinismo (um amor que não se completa, que nos trai, porque o amor para ser amor e ser vivenciado como amor deve estar contido nos cercados da moralidade e do respeito engendrado por um grupo social), o caminho é sempre o abismo (a justificação da moral para que não haja desvio da conduta moralmente desejável por um grupo social), finalmente, acusação e medo: "abismo que cavaste com teus pés", ou seja, o desejo da filha levado a diante, a sua coragem para o desvio e enfrentamento da cólera social faz com Cartola profetize seu fim, fim da existência de sua filha, como "abismo". Relacionando estes valores transbordantes nos versos de Cartola à "Liga da Justiça" temos quase que uma completa libertação da forma poética, da estrutura frasal, da estética musical, bem como, do valor artístico de uma em relação a outra. Cartola, assim, apresenta-se como o arauto da tradição, o cancioneiro da decadência, a pedra do meio do caminho, o entrave ou a borra no olho, aquele estafermo, o doente que faz de sua doença o sinônimo da CURA, o remédio de seu mal. Neste caso, "Liga da Justiça" apresenta-se como o avant-garde da Batalha. "Liga da Justiça", pois, gargalha da estrutura frasal de Cartola, brinca com as imagens sensuais e debocha dos valores transcendentais nos jogando na cara que estes valores que julgamos ser transcendentais na verdade são apenas invenções nossas. Abdica, pois, "Liga da Justiça" do ofício de ser também o arauto da tradição e nos oferece o deboche e nos aconselha a GARGALHAR também desta arte que imaginando nos elevar, nos ensinar alguma coisa, na verdade, está nos acorrentando num caudaloso rio-moral em que os valores que se afirmam por meio dele é menos terreno do que celeste. Neste caso, a arte, puro instinto duplo, transforma-se em conselho de padre vestido de boêmio bebedor de aguardente; a força do instinto de liberdade é vencido por um instinto mais fraco, mais baixo, rancoroso, mesquinho: o de morte. As futuras gerações já nascem sob o estigma desta liberdade e detonam com o moralismo artístico de antigas FÁBULAS como é Cartola e outros mais. Talvez, eu possa dizer por mim e por muitos outros que me leem: "Estamos cansados de todos vocês. Deixem-nos livres para a arte... A arte não precisa deste moralismo que confecciona uma transcendência que não desejamos e que sabemos que não é real. Adeus aos mitos da canção popular brasileira. Que venha-nos todos aqueles que puderem dizer que a vida vale a pena e que ninguém pode dizer para mim e por mim o que a arte é. Sabemos por instinto quais são os "dons" da arte encarnada em nós". Neste caso, nem "Liga da Justiça", nem "O mundo é um moinho" pode nos afirmar a vida, entretanto, "Liga da Justiça" está muito mais próximo do nosso desejo do que "O mundo é um moinho" e é, neste aspecto, que "Liga da Justiça" SUPERA o nosso velho, passado fabuloso CARTOLA. Tenho dito!

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