NA PRIMEIRA PARTE da minha análise a respeito do funk ostentação eu ataquei os religiosos e os intelectuais (generalizei estes últimos na forma simples de pós-graduados). Recebi críticas e descréditos, enfim, nada fora do comum, do normal. Os intelectuais continuam apostando em Chico Buarque e Elis Regina. Os religiosos continuam afirmando e continuarão por todos os séculos (acredito eu) a afirmar que a ostentação é o caminho para a danação eterna.
Encontrei nos intelectuais (acadêmicos, pós-graduados) a mesmíssima ingenuidade (se não for mero fingimento político) que encontrei nos religiosos. A diferença entre um e outro é apenas de grau. Os intelectuais não fazem aquele exercício bovino que deveria fazer em relação aos valores que depositam ou aceitam - em suas formas e fórmulas prontas - em relação às coisas: o dever de ruminar. Apetece-lhes apenas agradar para poder agradar a si mesmos: mecanismo de extração da vantagem. Mas, por favor, permitam-me desde agora abrir um espaço para vermos o que os dicionaristas dizem a respeito do termo ostentação (usei apenas um, vocês poderão fazer suas consultas em outros dicionários):
Por Dicionário inFormal (SP) em 11-07-2007
S.f. Ação ou efeito de ostentar; afetação na maneira de exibir riquezas ou dotes; alarde de ações ou qualidades.
Fig. Riqueza, pompa, fausto, luxo.
Fig. Riqueza, pompa, fausto, luxo.
Os emergentes adoram ostentar a sua riqueza.
Ele vive na ostentação.
Ele vive na ostentação.
VOLTEI
Gostaria de fazer um pequeno exercício, de levantar, por menor que seja, um problema: por que na nossa cultura (intelectual, religiosa, etc.) ostentar ou a ostentação figura como um VALOR negativo? Isto é, por que o fato de alguém ostentar, por exemplo, sua beleza nos incomoda, nos tira o equilíbrio, o eixo? Por que exigimos que aqueles que têm as coisas (riqueza, beleza, poder) finjam-se de SANTOS, que se neguem, que neguem a sua riqueza, a sua beleza e o seu poder em face dos outros?
A resposta a este problema é simples e difícil, complexo, ao mesmo tempo. Toda a nossa cultura (a nossa socialização, a nossa formação enquanto indivíduo está baseada numa só palavra: NÃO). Desde a mais tenra infância somos admoestados a acreditar que só o não sabe edificar civilizações. O não não é apenas um advérbio de negação, mas o verdadeiro mestre-de-obras da nossa civilização. O não não é apenas um elemento de repressão pelo qual as instituições, os pais, enfim, admoestam-nos desde a mais tenra idade. É pelo não que aprendemos quem somos, onde estamos, o que devemos ser e fazer. O não criou todos os laços e interligações sociais que possibilitou a construção do que nós chamamos de sociedade. Portanto, o não significa em última análise à negação de si (ideal ascético religioso-científico) - e este si aí significa o que realmente se é: instintos) em prol do nós, do coletivo. Portanto, o não ao mesmo tempo em que fabrica é produto de fabricação social e construtor da nossa realidade. Mas, o que isto tudo tem a ver com a ostentação? Simplesmente, tudo.
A OSTENTAÇÃO é o outro lado do NÃO. É o SIM desafiador, gargalhador; é o sim CRUEL; também construtor, mas construtor não numa esfera coletiva, mas individual (em parte é a volta ao si [aos instintos]). É o antípoda do não, é o seu antagonista. E se o NEGAMOS é porque vemos no SIM o nosso real perigo. O sim também sabe edificar; é também um mestre-de-obras, um grande sol que desfaz todas as sombras e ideias do não; o sim acaba com o conforto e a preguiça e lança o indivíduo para as perpétuas batalhas da existência. O sim gargalha da ética que o não edificou e rir dos fracos que apelam socorro aos ministradores e administradores dos edifícios jurídicos do NÃO. Portanto, o SIM é uma força poderosíssima que desconhece a realidade do NÃO para em seu lugar edificar seus próprios valores, suas próprias análises e gargalhar de qualquer tentativa intelectualoide de estabelecimento da verdade; de gargalhar de qualquer tentativa de transcendência e negação deste mundo em favor de outro.
O funk ostentação, enfim, consegue afirmar-se enquanto funk (que já é visto pela elite intelectual de modo negativo, com uma desconfiança terrível), gargalha dos fracos, pobres e falidos e de suas análises moralistas, legalistas. Afirma-se frente os valores religiosos da salvação que prega pobreza, mas ostenta templos suntuosíssimos demonstrando assim suas contradições. É preciso, então, proteger o funk contra Chico Buarque e Elis Regina. Como se diz: "é preciso proteger o forte contra o fraco". Tenho dito!!!!