HOJE FUI À CASA de um amigo; faz mais de uma, talvez, quase duas décadas que somos amigos. Ele é estudante de filosofia e eu terminando um doutorado e por isto mesmo já colecionei inimigos de todas as searas e idades. Ele, meu amigo, já é um cinquentão, mas ainda mantém aquela mentalidade juvenil de quem acabou de entrar na Caverna de Caramel (Universidade Federal da Parahyba); sem o devido preparo ele deverá ser engolido pelas bestas-feras daquela instituição. Aprendi muito rápido com o gosto amargo de fel da Academia a arte bovina: a arte de RUMINAR. Tive, por outro lado, os melhores professores que um aluno poderia ter desejado, mas nenhum encontrei na Academia. Todos mortos. Aprendi em obras poeirentas e de páginas amareliçadas, castigadas pelo tempo.
Nosso pequeno papo foi sobre o saber e o poder e descambou para a ciência e a religião. É o tipo de assunto que faz com que desejemos uma transcendência enorme e um tempo que não dispomos. Os velhos debates a cerca de todas estas coisas terminam entre os beligerantes intelectuais quando "a/uma" verdade entre eles se estabelece - a arte da dialética socrática ainda em vigor na Academia -. De início, então, poderíamos nos questionar: "o saber gera o poder ou o poder gera o saber? A ciência de nossos dias acabou sepultando a religião e cientistas sepultando Deus. Quero dizer, exatamente, que tudo isto foi preciso. A ciência ocupou o lugar da religião oferecendo NOVAS VERDADES em relação às antigas (A idade média contra a Idade Mídia). Neste caso, parece, que a produção de um novo saber (científico) girou a roda dos poderes e, assim, fez nascer um novo poder. Mas, até aqui, para quem prestou atenção, coloquei a realidade no âmbito de sua efetiva relativização e multiexistencialidade, isto é, parti do pressuposto de que sempre ciência e religião disputaram o domínio da produção da verdade. Sabemos que nem sempre foi assim e que em outros momentos da história humana os discursos tinham outra realidade.
NINGUÉM MAIS na Academia pode fechar os debates ou proclamar A verdade imutável (essências ou substâncias) das coisas. Este foi um golpe contra a metafísica e um pequeno golpe contra os três porquinhos clássicos da filosofia que influenciaram e formataram o modelo de pensamento ocidental: Sócrates, Platão e Aristóteles. O MURO QUE dividiu um dia os MUNDOS DE PLATÃO 'caiu'. Mas, assim como aconteceu com a MORTE DE DEUS, o muro deixou viver a sua sombra. Mas, por aí já dá pra perceber que com a queda da metafísica A verdade entrou em colapso. Não é que ela tenha se relativizado (a verdade das coisas não existe em relação); ela na verdade deixou de existir. Mas, se a verdade morreu a mentira também deixou de existir. Por exemplo, não posso dizer - afirmar ou negar, que seja falso ou verdadeiro - que a homossexualidade, como disse um pastor de Campina Grande, é causada por consumo de asa de galinha ou consumo de galeto. Não posso dizer que a sua TEORIA DO GALETO esteja certa ou errada, que seja verdadeira ou falsa/mentirosa. A ciência irá contrapor seus argumentos e isto é evidente. Isto também já aconteceu no passado com relação às endocrinopatias e à etiologias psíquicas aventadas pela psicanálise e psiquiatria, etc.
COMO, ENTÃO, entender o mundo que me/nos cerca sem este binarismo das ideias, sem este maniqueísmo que durante séculos, milênios nos deu esteio e nos alimentou e ainda continua fortemente a nos alimentar? A nova fisiologia do corpo, a nova fisiologia do olhar já não se acha mais presa a esta meninice do conhecimento de "antigamente" que procurava descobrir nas afirmações ou negações "do outro" os elementos comprobatórios daquilo que se afirmava ou se negava, ou seja, era a busca do "si mesmo" ou do "em-si" que norteavam as pesquisas, os pesquisadores e os beligerantes intelectuais em suas atividades de final de semana. Se para a TEORIA DO GALETO o excesso de hormônios injetados nas asas dos fragos e consumidos por nossas crianças é o responsável direto pela etiologia (causa) da homossexualidade (em uma formação discursiva, a produção de uma verdade por este mecanismo de produção [a religião]) encontrará na ciência e em seus milicos e militantes a resposta a altura em um certo tom de deboche e descrença, uma vez que, o mecanismo de PRODUÇÃO DA VERDADE inventado/criado/mantido pela ciência é muito mais poderoso, porque na pesquisa realizada por um cientista qualquer a verdade daquele discurso religioso não é encontrada, logo desacreditada, descartada e no lugar desta verdade o cientista pautará uma nova e dominará este campo. A ciência faz seu julgamento conforme os parâmetros que ela mesma elaborou para caracterizar a verdade e a falsidade, ou seja, um juiz julgando seus próprios métodos.
PERCEBE-SE melhor agora que A verdade - bem como suas derivadas - não existem "para si" ou "em-si" mesma; elas são INVENTADAS, PRODUZIDAS, CONFECCIONADAS para justificar, manter, criar poderes antigos e novos. HÁ seis anos passei a desconfiar dos acadêmicos, dos cientistas, dos pesquisadores e a desconfiar de mim mesmo. E entrei num novo TURBILHÃO de indagações, questionamentos; desfiliei-me das corretes teóricas e passei a gozar das taradonas metologias das pesquisas científicas que COMEÇAM POR ZOMBAR do pesquisador o CATAPULTANDO para jaulas de ferro: é o "tudo dominado" da ciência e de sua apologética. Não existe conhecimento puro - não chegamos, talvez, não chegaremos a este avanço epistemológico -. A natureza do conhecimento (saber-poder) já nos adverte os abismos perigosos que vamos entrar. Entrar na lógica das produções de saber significa dispor da POTÊNCIA que ainda podemos "livremente" investir.
NA ACADÊMIA e nos trabalhos metologicamente aplicados - principalmente, aqueles produzidos pelas ciências humanas e sociais - a confusão que se faz entre PODER e POTÊNCIA é de uma lástima sem precedentes. Um dia dedico-me a falar um pouco desta confusão que NOIA a cabeça de nossos pesquisadores mais aguerridos.
AQUI ESTÁ, caro amigo, a tradução genérica do nosso papo. Té mais. Tenho dito!