terça-feira, 9 de novembro de 2010

Os desacertos do ENEM!

Não vou comentar o que a mídia nacional tem comentado sobre o ENEM. Vou apenas me concentrar no conteúdo da prova. O que me chamou atenção foi o PÉSSIMO NÍVEL das provas e a má elaboração das questões propostas. Na prova AMARELA na questão de nº. 30 apareceu uma questão sobre homossexualidade e homofobia. 

Questão 30
“Pecado nefando” era expressão correntemente utilizada pelos inquisidores para a sodomia. Nefandus: o que não pode ser dito. A Assembléia de clérigos reunida em Salvador, em 1707, considerou a sodomia “tão péssimo e horrendo crime”, tão contrário à lei da natureza, que “era indigno de ser nomeado”, e, por isso mesmo, nefando.
{NOVAIS, F.; MELLO E SOUZA, L. História da vida privada no Brasil. V. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 (adaptado)}
O número de homossexuais assassinados no Brasil bateu o recorde histórico em 2009.  De acordo com o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais (LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis), nesse ano foram registrados 195 mortos por motivação homofóbica no país.
Disponível em: www.alemdanoticia.com.br/ultimas_noticias.php?codnoticia=3871

[ENUNCIADO]: A homofobia é a rejeição e menosprezo à orientação sexual do outro e, muitas vezes, expressa-se sob a forma de comportamentos violentos. Os textos indicam que as condenações públicas, perseguições e assassinatos de homossexuais no país estão assoaciadas (SIC). (OS GRIFOS EM NEGRITO SÃO MEUS).

Apontarei três erros RELEVANTES na questão. Vamos aos erros da questão 30:

1º. - Sodomia não é apenas o ato sexual homossexual masculino (intercurso anal), mas também o ato sexual heterossexual (com intercurso anal), portanto, a questão não esclarece isto e restringe, a origem do termo, à homossexualidade;
2º. O número de assassinatos de homossexuais: a questão não traz a fonte, reporta o candidato a um link que abre numa matéria que comenta os números de mortos homossexuais dado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). O número de homossexuais mortos - supostamente por homofobia - é trazido com naturalidade e encarado como verdade; - de outro modo a conclusão é fácil: qualquer homossexual morto no Brasil sua causa já é antecipadamente CONHECIDA por homofobia;
3º. Homofobia: O elaborador da questão, então, aqui no enunciado da questão se SUPERA. A) a IMBECILIDADE CONCEITUAL: homofobia é encarada no texto como algo ao nível da simples rejeição; B) rejeição/menosprezo que pode chegar ao nível do comportamento violento (a que violência se refere o autor da questão: qual é o lugar da violência, de onde esta violência parte, quais seus agentes?).

Fiquei bastante surpreso com o nível das questões, de um modo geral, do ENEM, mas particularmente, com o nível tosco da questão 30 da prova amarela. A homofobia não é apenas um medo, um receio, uma REJEIÇÃO ou mesmo MENOSPREZO a respeito das práticas sexuais de um indivíduo. A homofobia vai muito além destes conceitos chavões, militantes. A homofobia reportar-nos para a própria constituição de gênero. O que fazem nossos pais diante de um exame de ECOGRAFIA (Exame de ultrasson) quando o médic@ diz-lhe o sexo genital do feto? Não nos impõe cores, odores, sabores, desejos? Não nos impõe um credo, um time de futebol, um futuro (meu filho será isto ou aquilo)? Dão-nos algum espaço para escolher o que desejamos ser? E aquele quarto azul para o menino recheado com carros, bonecos, espadas? E aquele quarto rosado para a menina recheado com pelúcia, bonecas, etc? Por que supor que somos isto ou aquilo diante de um exame de ecografia? E isto tudo não parece a coisa mais ÓBVIA do planeta? A idéia de sermos machos ou fêmeas não está mais ligado a um desejo de nossos pais do que, particularmente, nossos próprios desejos? Enfim, são questões muitas vezes sublimadas nos questionamentos midiáticos, nos questionamentos científicos de algumas áreas que veem a questão de gênero e sexualidade como práticas dadas, natas, metafísicas, que nascemos isto ou aquilo. Justamente, a questão 30 da prova amarela faz alusão a este tipo de coisa. Tratar a homofobia como uma violência institucional ou de Estado; tratrar a homofobia como uma simples rejeição ou menosprezo pelo que o OUTRO faz na cama com vários outros é simplificar  e reduzir a questão a uma resposta idiota; é tratar os jovens alunos do ENEM com MENOSPREZO cognoscitivo. Talvez, aqui comece o desencantamento do ENEM, tida como uma avaliação séria. De minha parte fiquei muito surpreso. Achei o nível das provas, de modo geral, muito aquém do que, julgo pessoalmente, que deveriam ter.