terça-feira, 12 de outubro de 2010

Infancia

Um lambu assado, rasgado, melado na farinha; um pedaço de bofe espetado no palito de coco e um bolo d'água de quartinha; goiaba verde, araçá, manga verde com sal, pitomba, cana, água fresca e natural; bomba de lama, carnaval, cabra-cega, munganga; sapo-luí, martelo, Marcelo, cachorro-da-molesta, basta-da-égua, desgraçado, infeliz das costas oca, infeliz, eis como diz, como fiz a minha antiga infância. Hoje moço, teimoso, bem-humorado, tinhoso, jocoso, malvado; ir-racionalista, fetichista, amante-afrescalhado; perdido, falido, arrebentado, eis como deve ser, a vida de um cara como eu: gozador, professor, gestor, doutor, prestidigitador; eis aí, segunda infância, sem édipo, sem reflexo, nem alma, sem mãe, sem pai, tudo na natureza se desfaz, só o que nos restando é o sopro.

O ANALISTA DE BAGÉ


Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho. 

— O senhor quer que eu deite logo no divã?

— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

— Certo, certo. Eu... 

— Aceita um mate?

— Um quê? Ah, não. Obrigado. 

— Pos desembucha.

— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope. 

— Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe

— Outro.

— Outro?

— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque. 

— E o senhor acha...

— Eu acho uma pôca vergonha. 

— Mas...

— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!



(Extraído do conto de L. F. Veríssimo: O analista de Bagé)