NA SALA da ecografia uma jovem mulher recebe a notícia de que o bebê que "espera" será um menino. Qual a prova disto? A genitália: é um pênis! O jovem pai, orgulhoso do desejado filho, diz: "Será um flamenguista arretado" enquanto na casa do casal, por telefone, as sogras recebem a notícia e começam a preparar todo enxoval na cor azul. Pois bem, nascemos sob o signo da verdade (somos isto ou aquilo). Ao novo menino, a cor azul, os "brinquedos", verdadeiros instrumentos de guerra: espadas, metralhadoras, automóveis. Na segunda infância este moleque já deve demonstrar suas qualidades viris. Na adolescência deverá demonstrar que toda a coerção (pressão) sofrida para se transformar no homenzinho social teve bom resultado. Deve procurar as meninas para deflorá-las: é um macho. E tudo isto, claro, em nome de um pênis. O pênis não é mais do que uma parte constitutiva de um corpo: tem o mesmo valor de constituição que uma unha, um dedo, um artelho ou que mais se quiser. Só em uma cultura determinada é que este órgão - chamemos assim - deriva, desdobra-se, espiritualiza-se. O pênis em si mesmo, como estrutura anatômica, não tem menos ou mais valor do que uma unha, é um órgão como qualquer outro. Quando o pênis deixa de ser apenas pênis para se transformar em símbolo de poder - os psicanalistas o apelidaram de falo -, entrar nos circuitos políticos é que os problemas são deflagrados. Uma conclusão política, então, rápida que se pode tirar disto é: se os homens são poderosos porque possuem um pênis, então, as mulheres são fracas porque possuem uma vagina. É esta a lógica que dominou durante séculos no Ocidente. Homens são políticos, mulheres donas de casa. Às mulheres foram dados todos os ofícios de menor prestígio público, social, cultural: tornaram-se mães, donas do lar, domésticas; aos homens, os cargos da vida pública, chefes do mundo. Bom, durante séculos esta lógica passou incólume. Até que as mulheres resolveram contestar. Uma parte do corpo dos homens - do ponto de vista simbólico - os faziam todos poderosos e uma parte do corpo da mulher as faziam frágeis, fracas, idiotas, imbecis, mães de família. O fato de uma mulher possuir uma vagina não a impossibilitava de ser médica, por exemplo. Muita gente não sabe, mas para a mulher se transformar em médica foi preciso muita discussão, muita briga, muita luta. Aos poucos, as mulheres foram reivindicando o DIREITO AO VOTO - à participação política na vida pública -. Mulheres não votavam: elas não tinham pênis. Bom, então, parece-me que hoje elas - as mulheres - gozam de todos os direitos políticos que os homens: participam da vida pública, votam e são votadas. Se era o pênis (o falo) o elemento diferenciador, na verdade, o elemento simbólico, político diferenciador, ele que conferia aos homens o domínio político, então, parece-me que tal lógica, pela menos, na prática, não existe mais. O falo é apenas um fantasma agora. Bom, por que, então, todo este prolegômeno? Para inserir uma atitude de um ex-militar britânico nos questionamentos contemporâneos sobre gênero. Trata-se de Russell Jackson (foto acima). Depois de uma vida inteira como homem (mesmo sentindo que não se adequava com o "ser" homem) resolveu, então, fazer uma cirurgia de readequamento (vaginoplastia). Hoje é uma mulher. Chama-se Jennine. Em entrevista ao jornal "The Sun" ela revelou que "Desde nova eu sabia que era diferente. Eu não estava feliz com o que eu era, mas fiz contrário do que queria fazer. Tentei ser um homem". Bom, não vou problematizar mais do que problematizei o "fato". Apenas perguntar: uma cirurgia como a que fez Jennine, isto é, a vaginoplastia (transformar o pênis em uma vagina) fará com que ela seja reconhecida em público como mulher diante de seu passado biológico (masculino) exposto? Para algumas pessoas a resposta será sim (as mais progressistas) e para muitas outras a resposta será não (as reacionárias), pois dirão que mesmo não sendo o pênis o que determina o gênero, dirão estas pessoas, ela (Jennine) jamais poderá mudar os seus cromossomos, o seu DNA de macho. Pois bem, estamos numa época clara de transição. Mesmo que hoje saibamos que o pênis - e mesmo o falo - é o que menos importa para a constituição dos poderes, uma vez que, os poderes são constituídos nas relações (sociais, sexuais, gênero, etc.). Os termos como "mulher", "homem", "masculino", "feminino" aos poucos vão sendo desmistificados, em verdade, desnaturalizados. Se um dia um corpo recebeu o nome de homem (por ter um pênis) e mulher por ter uma vagina e disto o resultado político foi o domínio do homem sobre a mulher, parece-me, já entrou em franca decadência. Os termos sobreviveram às práticas, à realidade, mas até quando... Só Deus sabe. O fato é que hoje temos a convicção de que a realidade simbólica de uma cultura não é determinada pela biologia de seu povo e disto, creio, as mulheres não abrem mão. Tenho dito!!!!