Ser criança, talvez, em um Estado democrático de direitos, seja, então, o princípio de contradição deste mesmo Estado: que poder tem uma criança em nosso Estado? Absolutamente, nenhum. A criança, pois, é a prisioneira familiar em que na hierarquia da família é sempre a que pode menos ou a que nunca pode nada. Sua fala sempre é lida como piada ou como loucura: no fundo, a criança é uma idiota que merece pena quando sua vontade concretiza-se frente as determinações dos pais, por exemplo, ou gargalhada quando o dito/feito é espirituoso. O seus direitos são os direitos de decidir dos outros. A criança sequer tem o direito à escolha. Ser criança é uma maldição: não sabe escolher nem mesmo a cor das suas roupas. É na criança que o Estado democrático de direitos se contradiz, as ditaduras familiares são instauradas, o pátrio-poder é confirmado e a criança, pobrezinha, sob vestes coloridas e cheirando a talquinho pom-pom não passa de uma prisioneira doméstica. Não é à toa que um pouco mais tarde, já na altura da adolescência a antiga criança OPRIMIDA, revoltar-se-á. A menina irá usar aquele batom debochado da mãe a contra-gosto do pai que identifica o desejo e a vontade da adolescente, o luto da infância, como depravado; o menino procurará sobrepor os amigos, a irmãzinha, será o comedor de ofício das filhas dos outros: verá a mulher como inimiga, que é preciso inoculá-la. O pai procurará resistir ao contra-poder, à resistência da filha, da nova adolescente. Em vão, a resistência é mais forte e vencerá os desígnios paternos: do pátrio-poder, que no fundo é o próprio poder do pai fazendo a substituição dos sujeitos velhos por sujeitos novos. A infância é o lodo, a sopa cósmica em que ao mesmo tempo produz um oprimido fabrica também um opressor futuro. Criança é sinônimo de nulidade. Tudo nela é depositado. É como um depósito que um pouco mais adiante explode e reivindica a sua ação. Há milhares de discursos justificadores da opressão da criança: a educação, a medicina, a religião, etc. Inventaram uma infância, uma criança para esconder os tormentos de um @ presidiári@ que vive sua tormenta diária confundindo o poder-ser (devir) com o ser-do-poder (o que é). Assim, depois que a criança morre e nasce @ adolescente o ritual de confirmação de que a infância não existe mais é demonstrar que a educação da opressão está concretizada: é hora também de torturar, de oprimir, de matar o que jamais esteve vivo: a liberdade-de-ser. É a hora do "eu" que é o "outros" aparecer e confirmar que tudo, enfim, acabou bem. A criança, esta maldição de ser. Tenho dito!
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