Na foto em preto e branco - à esquerda, caso você seja daltônico - aparece Fernando Gabeira usando biquíni. No exílio, durante a Ditadura Militar, aprendeu com feministas alemãs - não poderia ser com outras! - que o seu machismo latino-americano deveria ceder espaço para novas experiências morais - discurso da liberdade do corpo - apelidada por alguns noiados da Academia - dos intelectuais - de POLÍTICA DO CORPO. Bom, o seu aprendizado feminista com as alemãs, talvez, da Bavária ou Munique, tê-lo-ia afastado dos BOLCHEVIQUES de seu tempo que só pensavam na TOMADA do Poder. Veja, então, que a REVOLUÇÃO que se propunha por aqueles momentos - 1970 em diante - não era a tomada da Bastilha brasileira e o seu consequente correlato estrangeiro. Por quê? Porque na Bastilha brasileira estavam as putas, as bichas, os negros, as freiras oprimidas, os noviços no cio, a menina de família vaporosa, a mulher dispaurênica, enfim, todos estes personagens de segunda categoria, da boca do lixo, que em nada contribuiriam, em tese, na grande REVOLUÇÃO, na propugnada REVOLUÇÃO UNIVERSAL marxista - a revolução dos trabalhadores -, mesmo que o contexto "revolucionário" fosse localizado.
Impressiona o FATO de que na Academia esta foto de Gabeira usando biquíni tenha encontrado repercussão suficiente para afirmar que a sua atitude iniciava novos tempos, porque a partir daí, então, começava-se a pensar numa espécie de política do corpo. Um CORPO MASCULINO vestido com uma peça do vestuário feminino inaugurava, portanto, ou, pelo menos, fazia parte de uma REVOLUÇÃO, aparentemente, superior, pois não se pautava no reacionarismo, mas nas liberdades, não na macro-política, no seu caráter universal, mas nas micro-políticas, nas suas localidades: a Revolução Cultural.
É, realmente, IMPRESSIONANTE, caso se acredite, que a ação promovida por Gabeira inaugure uma política, ou antes, uma nova política do corpo de modo que esta sua ação - o elemento estético - comece e termine nele mesmo e que só a partir dele, isto é, desta sua ação, possamos do ponto de vista político extrair algum tipo de valor - moral! - e estabelecer novas vias de acesso ao padrão. Sem falar que esta sua ação já está pautada ideologicamente. É contra o machismo que interdita o uso de uma peça do vestuário feminino; é a favor do feminismo que impõe a sua própria liberdade.
A realidade discursiva, a estética, a análise política impõe que dividamos, em termos políticos, os poderes em poderes dominantes e poderes dominados e que o fundamento desta realidade seja a própria relação. A relação entre esses poderes divide o poder em dois e aí substancializa cada parte (o poder do dominado não pode ser o mesmo (idêntico) poder do dominante). Quer dizer, parece que do ponto de vista da política há duas essências/identidades de uma mesma substância (poder). Isto é estratégico. O dominado não pode ser reduzido ao dominante, pois isto inviabilizaria a REVOLUÇÃO dos oprimidos. Em termos práticos, o machismo não se reduz ao feminismo e o feminismo não pode ser reduzido ao machismo, pois esteticamente eles lutam em nome de coisas opostas - por isto é mister se MANTER o estatuto da DIFERENÇA -. Quer dizer, fazem parecer que uns lutam por estabelecer ou manter um poder e uma dominação específica e que o outro luta por desmantelar toda a estrutura que o aprisiona e dominado. E tudo isto, parece, só é possível porque estes "diferentes" poderes inscrevem sobre o CORPO VAZIO a sua realidade de infante.