sábado, 27 de julho de 2013

Universidade para a vida

AMARGUEI O DIABO na Universidade. Recordo-me do primeiro dia de aula. Pré-história e o professor Houston Lemos de Barros (ah, professor doutor, merece o título) expulsou Deus e o Diabo da sala de aula aos olhos arregalados de meninas de famílias e rapazes embasbacados. Eu sorri, quietinho ali, no meu lugar. A aula do prof. doutor Houston era uma novidade para todos os meus colegas. Para mim, aquela aula já chegava com, pelo menos, 4 anos de atraso - a graduação inteira -. Mas, serviu para impactar. Em seguida ele acendeu o seu cigarro e jogou fumaça na cara de todo mundo. Patéticas mocinhas de família tossiram a aula inteira numa verdadeira exegese bíblico-científica com requintes de crueldade e deboche. Um velhinho careca, narigudo e nunca, nunca mesmo, ao andar, baixava a cabeça. Entendi mais tarde - o que para todos era sinônimo de boçalidade - o professor não conseguia enxergar o chão, então, preferia olhar para as nuvens.
Mas, também encontrei professores mais generosos, condescendentes, almas ilibadas, talvez. Tenho na memória a professora drª. Edna Nóbrega e a prof. drª. Joedna Reis; a prof. drª. Telma Fernandes e o seu vocabulário quase barroco em aulas de teoria da História - ninguém praticamente entendia nada -. Figuras que ficarão nas minhas memórias acadêmicas. Relembro estas pessoas, estas professoras - perdoem-me os que não pude citar aqui - porque, talvez, eu tenha tido a oportunidade de cursar uma graduação paralela ou duas graduações, na verdade. Uma oficial e uma sazonal, ao sabor das batalhas da vida. 
Todo mundo sabe que na Universidade todos estão muito mais interessados em RESOLVER os problemas do mundo, dentre eles, os político-econômicos, do que resolver os próprios problemas, dentre os tais, os mais importantes e urgentes: os emocionais. Pareceria muito piegas a um aluno ou a um professor propor uma discussão a respeito de como TERMINAR UMA RELAÇÃO AMOROSA (um namoro, um noivado, um casamento) em face de tantos problemas político-econômicos que nos assolam? Não seria pateticamente idiota se um aluno interrompesse o professor e lhe pedisse para falar sobre sua própria vida? Refletir sobre a própria existência? Piegas, ah, ódio mortal! O mundo inteiro em guerra e o endemoniado aluno querendo falar sobre a própria vida. Na Universidade a vida pode esperar sempre mais um pouco.
POIS É, eu tive a oportunidade de compartilhar - mesmo que não fosse em sala de aula - da minha vida íntima, pessoal com minhas antigas professoras. Delas ouvi opiniões diversas e adversas; a elas também ofereci minhas análises e emprestei meus ouvidos para ouvi-las. Coisas de toda ordem: queixas, lamentos, infortúnios, expectativas, ciúmes, desejos, mais vontade de ser. Uma Universidade onde os dragões deviam ser vencidos e, na medida do possível, eram derrotados. 
NUNCA ME ESQUECEREI da honestidade, sapiência e paciência do prof. doutor Waldecir Ferreira das Chagas (senão me falha a memória escrevi bem o nome dele). Acolheu-me quando mais necessitei; orientou-me quando mais do que necessitava. Aquele campus universitário de uma cidadezinha 'brejeira', quente, mas tão grande, enorme em valores humanos. Terminada a graduação entrei em depressão pós graduação. Recuperado, ingressei na vida acadêmica de cabeça, mas por todas as outras PLAGAS acadêmicas por onde andei não encontrei o mesmo calor, o mesmo sabor, o mesmo cheiro e para mim tudo acabou. 
NÃO QUERO VOLTAR àquele campus na vã tentativa - logo eu que sou historiador - de encontrar o passado. Ele não existe mais lá. Voltar para lá na tentativa de reencontrá-lo é suicídio certo. Aqueles anos permanecerão na minha memória; na minha memória gustativa, tátil, visual, enfim. 
GOSTARIA de ter tido a mesma oportunidade na PÓS-GRADUAÇÃO que tive na graduação. Mas, os pós-graduados têm lá os seus deuses na barriga; estão grávidos de tanta sabedoria. E se querem saber... Todo aquele conhecimento técnico, pedagógico, teórico quando comparado com o conhecimento e o aprendizado que tive nas escadas e bancos de cimento dos campus são bem pequenos. 
Tive que escalar toda a MONTANHA para descobrir que depois das nuvens, para onde o prof. doutor Houston Lemos de Barros olhava as grandezas não são maiores, nem melhores; eram as mesmas de quem ao caminhar olhava para o chão. Cada um olha para onde quer e valoriza o seu olhar como desejar. Mas, a visão de quem olha de cima não é melhor, nem maior do que a de quem olha por baixo.
Considerando, pois, "quem sou" hoje, depois de tanto caminhar... Um grande gargalhador. Lá onde meus camaradas enxergam ordem, discurso, etc. eu vou e mexo na ferida sem medo de magoar. O meu afastamento, distanciamento - coisa aprendida ao logo de todos estes anos - permitiu-me a olhar menos para as cortinas de fumaça, para as nuvens. Ao contrário dos meus camaradas nunca desejei os postos mais altos; eu buscava sempre os abismos.