terça-feira, 26 de outubro de 2010

Leões-Marinhos


Dois leões-marinhos enforcando-se dentro do inferninho Rancho Fundo. A luz vermelha opaca e o tinir de copos ao fundo. Deslizam-se um sobre o outro o olhar. Olhos de víbora, tez bronzeada. Pupilas dilatadas.

- O drink. - deixa na mesa Mimosa Gardenal, uma travesti acintosa.

Rápido, o líquido na boca, descendo, esfriando... Lá do outro lado Jerônimo, olhos de pirilampo no escuro, sorrir. Chama Mimosa e lhe diz qualquer coisa que, a cabo, despeja dois requintados verbos nas orelhas de Monique que lhe acena com sorriso sinuoso nos lábios.

- Diga-lhe que o esperarei no terraço de O Globo.

Jerônimo sai chutando as pedras da R. da Areia como quem não quer nada. Passa da primeira hora da madrugada. É frio o tempo e gélido o coração. São Frei Pedro Gonçalves, esquina com o Bar dos Artistas. Lá vai descendo Monique... Espia para os lados, Doca Juru caído na vala, bêbado como sempre; lá adiante alguns paus-d'água que ainda entornam um burrinho de cana. No mais, nenhum pé de gente. O Senhauá adiante descansa morno. O silêncio é rapidamente quebrado por Jerenônimo que parece avexado.

- Monique... Aqui!

Uma discussão embaixo, no Porto do Capim, vozes aos berros e de repente... Um choro gritado, dois estampidos de bala, o cantar de pneus... Ao som da cabrueira que desperta na cidade baixa Jerônimo descobre Ataíde (Monique) que lhe satisfaz as paixões venéreas. Três da madrugada já estão vestidos os Leões-marinhos e buscam intrepidamente os primeiros brilhos da alvorada.

(João Cândido Tessar in: Contos da Cidade Baixa)

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