terça-feira, 27 de setembro de 2011

Liga da Justiça III: Afirmação da vida X sua negação

Há poucos dias resolvi aceitar um desafio feito por alguns colegas. Demonstrar que o mix "Liga da Justiça" não era "boca de lixo, arte de plástico ou não-arte". Mais: demonstrar que "Liga da Justiça" superava composições do nosso cancioneiro popular como, por exemplo, canções do compositor Cartola. Desde o primeiro texto abriu-se, então, uma querela e uma desconfiança: "Liga da Justiça" supera mesmo o cancioneiro popular? As razões já foram, suficientemente, apresentadas nos textos anteriores para acreditarmos que sim. Entretanto, reconheço, há um ponto obscuro nos textos. E quem pede explicação é um leitor chamado Leandro que me escreve pedindo esclarecimento sobre o seguinte: "Não consigo compreender como “Liga da Justiça” pode afirmar a vida: o que significa afirmar a vida?". Para compreendermos o que significa "afirmação da vida" não é muito fácil, geralmente, necessita-se de uma erudição muito grande e de um espaço de debate mais sofisticado. Entretanto, tentarei simplificar ao máximo para que eu me torne compreensível. Tomarei, novamente, a composição de Cartola "O mundo é um moinho", mas desta vez, não os últimos versos, mas os primeiros e alguns outros antes dos últimos. Vejamos: "Ainda é cedo, amor/ Mal começaste a conhecer a VIDA/ Já anuncias a hora de partida/ Sem saber mesmo o rumo que irás tomar/... Ouça-me bem, amor/ Preste atenção, o mundo é um moinho/ Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos/ Vai reduzir as ilusões a pó". Transcendendo à concepção biológica da existência, da vida, a vida aparece como um conjunto de símbolos sócio-culturais que lhe dão existência significativa. A este conjunto de símbolos culturais agregam-se valores  (sempre inventados por nós mesmos) positivos e negativos como, por exemplo, liberdade ou repressão. Agora, percebamos que os dois primeiros versos da poesia/letra/música do compositor Cartola já se INSURGEM como uma repressão, uma negação da vida. Se pensássemos, pois, na acepção biológica da vida, de seu processo de desenvolvimento, das divisões celulares por meiose e por mitose, então, poderíamos encontrar uma imagem bastante contundente e vamos chamar aqui INSTINTUAL de que a vida se afirma não pela paz, pela tranquilidade - por sua MORAL SOCIAL - mas pelo confronto, pela RENOVAÇÃO, pela GUERRA. O que faz Cartola senão tentar tranquilizar a existência e EVITAR a dor: "Ouça-me bem, amor... Preste atenção o mundo é um moinho". Ao anunciar a TRAGÉDIA da existência para sua filha e para o mundo, Cartola tenta evitar o impossível: a dor existencial. Mas, que é a vida senão este peso de existir? Portanto, quando se tenta desviar desta dor arrumando mil REMÉDIOS placebos como é o caso da moral que tenta segurar pela PAZ inventada a GUERRA corporal, existencial, Cartola se encaixa no lócus moral por excelência: ditando-nos as regras de existir. A vida, então, em Cartola é esta dor infernal, esta ILUSÃO cantada, este MOINHO que tritura a própria vida, por isto, Cartola nega a vida que é pura batalha como tão bem cantou Augusto dos Anjos quando disse: "Sofro desde a epigêneses da infância". Afirmar, pois a vida, é encarar este sofrimento, é amar o próprio destino, é desejar a vida uma vez mais, é ir à luta, desejar esta dor que se nos apresenta como o nosso mais tenebroso destino sem evitá-la, na verdade, até desejá-la. É, nesta altura, que aparece o Cartola como o símbolo moral do ressentimento, o covarde que aceitou o peso da existência e anuncia que a vida não vale a pena: "Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos/ Vai reduzir as ilusões a pó". Diante de uma cena, de uma profecia como  esta, quem duvidaria que neste momento a grande verdade não é a NEGAÇÃO DA VIDA? Negar a vida, neste caso, pois, significa rejeitar o sofrimento, a dor que a vida traz, apequenar-se, acovardar-se, esperar um Deus protetor ou um Super-man que nos livre de todo este mal. E é aqui, então, que se INSURGE contra a negação da vida, contra estes valores negativos, este instinto de morte, óbvio, "Liga da Justiça". Se em Cartola a vida aparece como um sofrimento, uma dor que deve ser rejeitada, pelo menos, suportada moralmente sem desvio o que garantirá a salvação, "Liga da Justiça" decreta o estado de sítio daquele valor que só fazia negar a vida, que nos empurrava para a morte. Em "Liga da Justiça" o "Superman ficou fraco/O Pinguin jogou criptonita/Lex Luthor e Coringa tomaram o laço da Mulher Maravilha". São alegorias que invertem o valor moral da existência e nos prepara para a mudança de valores: a afirmação da vida. Super-man, pois, representa aqueles valores supremos da justiça, da honra, do amor, isto é, elementos ESPIRITUAIS, nunca experimentados, de fato, por nenhum de nós, daí de Cartola dizer que o sonho será "reduzido a pó". Este mundo que nós vivemos e que negamos é o nosso mundo real, o único mundo que temos e não outro. O mundo da justiça, do amor, da honra nós ainda não conhecemos, mas o inventamos para mascarar o nosso mundo real de sofrimento, de dor, de injustiças, etc. Veja, então, estes valores que são representados por Super-man são enfraquecidos por um elemento natural: a KRIPTONITA. Quando digo elemento natural, significa alegoricamente que são os VALORES DA TERRA, estes nossos valores de todos os dias, aqueles valores que teimamos em negá-los que começam a ganhar força e espaço: kriptonita que enfraquece a negação e o moralismo da vida. Surgem, pois, em cena as figuras representativas da maldade: Lex Luthor e Coringa. Mas, vejam, então, que Lex e Coringa são os verdadeiros HERÓIS afirmadores da vida, pois, eles representam a luta contra o super-man, isto é, aqueles valores que negam a vida: são eles os responsáveis pelo nosso ACORDAR diante da existência: enfraquecer o super-man é AFIRMAR a vida tal como ela é e melhorá-la superando antigos valores e inventando valores novos. Eles são os responsáveis por tomar o LAÇO mágico da Mulher Maravilha. Há, pois, uma guerra em curso. Em Cartola, por exemplo, nós temos uma melodia em tonalidade menor contemplativa e moralista, em "Liga da Justiça" temos uma tonalidade natural, isto é, Ré ou Ré maior e cheia de movimento sensual: a música como canal de instintos mais livres, cheio de MOVIMENTO (movimento significa MUDANÇA). Creio, pois, Leandro que você se dê por satisfeito. Teria muito mais coisas a escrever, mas, infelizmente, o espaço aqui é muito reduzido. Espero que, desta vez, eu me tenha feito inteligível. Tenho dito!

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