AS SAÚVAS NÃO ROÇAM
Fio de mel. Duas ricas maçãzinhas avermelhadas sob um rostinho delgado. Esquálida a alma, orbe fecundo o coração; um spalla em cada olho executando uma paixão de Bach. Duas gordas mãozinhas enlaçadas por um terço e de gota em gota cai da boca uma oração. Dona Luca rainha negra da zona, antiga presidenta das quengas, das putas, das camélias, das meretrizes da baixada. Ao redor, velas e cantoria, dona Luca está partindo. Despenca Mimosa Gardenal aqui, Lala mais ali... Doca Juru não agüenta e desmaia. Até o gato Anastácio travesso, gordo, rebolesco, fresco no andar, mia desalentadamente a morte de sua dona. Hoje, pois, as saúvas não roçam. Ninguém trabalha, ninguém. A zona fechada. Beber apenas em homenagem à quenga mãe, mestra, rainha e, assim, vai-se esticando a noite e a chuvarada que cai torpemente na calçada. Simone Pé de Anjo embriagada, Naninha, tadinha, pelada e os peitinhos bebem cachaça na poça que se forma em riste dos seus mamilos. Os vagabundos estão tristes, pois é mais uma que se vai. Uma velha gorda, de repente, adentra ferozmente no lupanar...
- Saiam daqui! Saiam daqui seus infelizes!
E em noite de chuva e cachaça, bebem o corpo de dona Luca ao fim e ao cabo da enseada; rumam todos para o Porto do Capim lá, talvez, achassem um baile feliz, um aconchego, um ditado feliz... E lá, adiante, o Porto inteiro dorme ao som manso e fugaz do mangue e do Senhauá. Dona Luca é morta.!.
(João Cândido Tessar in: Contos da Cidade Baixa)
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