quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O ENEM: Provas que geram muitíssimas discussões: não se mata uma questão sem abrir uma enorme discussão, afinal, ciências humanas não são EXATAS, nem mesmo as EXATAS são KKK


NÃO NEGO, antemão, que o ENEM deste ano surpreendeu-me; surpreendeu-me positiva e negativamente. Bom, o lado positivo: a sua organização e a ação imediata em focos de prováveis incêndios; o nível da prova muito bom. Negativamente, algumas questões nos testes de ciências humanas e suas tecnologias deixaram um pouco a desejar pelo continuísmo do ensino e exigência da resposta. Tudo bem, alguém dirá, mas isto é um teste para o ensino médio, nada de problematizar quem nasceu primeiro "se o ovo ou a galinha". Mesmo assim, em ciências humanas questões OBJETIVAS são sempre uma temeridade e, quase sem exceção, geram o conflito. Numa questão de filosofia, que prestigiou o filósofo Maquiavel podia-se ler o seguinte

Questão: Não ignoro a opinião antiga e muito difundida de que o que acontece no mundo é decidido por Deus e pelo acaso. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às grandes transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais não escapam inteiramente o nosso livre-arbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decida metade dos nossos atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite o controle sobre a outra metade.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe, Brasília: EdUnB, 1979 (adaptado).

Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do poder em seu tempo. No trecho citado, o autor demonstra o vinculo entre o seu pensamento politico e humanismo renascentista ao:

A) valorizar a interferência divina nos acontecimentos definidos do seu tempo.
B) rejeitar a intervenção do acaso nos processos políticos.
C) afirmar a confiança na razão autônoma como fundamento da ação humana.
D) romper com a tradição que valoriza o passado como fonte de aprendizagem.
E) redefinir a ação politica com base na unidade entre fé e razão.


Comentário da questão: Bom, as primeiras orações do trecho acima adaptado da obra de Maquiavel gerariam já uma primeira dúvida na cabeça de um aluno bastante aplicado na matéria: "Deus e o caso são a mesma coisa, isto é, num mundo dominado por Deus existe mesmo o acaso?"... Nesta lógica a que se refere Maquiavel - do pensamento que o antecede - Deus tem domínio sobre o acaso? Isto é importante porque desfez a lógica da questão e o próprio pensamento de Maquiavel - pensamento político, portanto. Bom, de "Deus e Acaso" rápido temos termos como "Sorte e Livre Arbítrio (?)" este último, então, instituído pelo próprio Deus.  O fato é que Maquiavel desejava um novo modelo de governança não mais pautado especificamente por um pensamento, digamos, religioso (Deus). Mas, neste caso, Deus é explicação, é sistema, é verdade e não ACASO. Portanto, temos uma explicação do mundo, especificamente, do mundo político: Deus. É a este pensamento - segundo Maquiavel - não muito filosófico ou realista a que se devia resistir. A alternativa B era a que o ENEM 2012 gostaria como RESPOSTA, mas ela é muito mais ampla como grifei em vermelho a letra D. O rompimento com um modelo de pensamento, portanto, é o que "institui", ou o que pelo menos assegura a existência de um pensamento divergente: sua pedagogia.

Outra questão também me chamou muito a atenção. Outra questão de Filosofia

Questão:
Texto I
Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provem de suas descendências. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os eventos são ar condensados. As nuvens formam-se a partir do ar pro filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A água, quando mais condensada transforma-se em terra, e quando condensada ao máximo, transforma-se em pedras.
BAURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado).
Texto II
Brasílio Magno, filósofo medieval, escreveu: "Deus, como criador de todas as coisas, esta no principio do mundo e dos tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos  como julga Demócrito. Na verdade, dão a impressão de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha."
GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Cristã. São Paulo: Vozes, 1991 (adaptado).

Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As teses de Anaxímenes  filósofo grego antigo, e de Brasílio, filosofo medieval, tem em comum na sua  fundamentação teorias que:

A) eram baseadas nas ciências da natureza.
B) refutavam as teorias de filósofos da religião.
C) tinham origem nos mitos das civilizações antigas.
D) postulavam um principio originário para o mundo.
E) defendiam que Deus é o principio de todas as coisas.


Comentário da Questão: Nesta questão a sutileza é linguística.  Anaxímenes era um filósofo pré-socrático. Deus ou Deuses para ele, certamente, deveria ser uma "coisa" absurda: a razão devia fundar a certeza e destruir a religião (mitologia). Pois bem, portanto, neste aspecto, ao que parece, e, como é muito evidente, Deus para Anaxímenes não podia ser o princípio do cosmo (mundo), pelo menos, não na acepção religiosa de Deus: a luta da matéria contra a super-estrutura (o espírito). Será mesmo que não? O ar está para Anaxímenes como Deus para Basílio Magno, isto é, Ar e  Deus reduzem-se a uma ideia genésica, principiesca, originária. Os termos entretanto confundem-nos. Mas, também nos esclarece: há um PRINCÍPIO INTELIGÍVEL que funda ou fundamenta ou ainda origina o COSMO: no fundo, pouco importa em si mesmo o nome que lhe demos, a propósito, o nome que lhe atribuímos "define" a data de sua fundação como nome institucional, não como princípio inteligível ou a crença de que é este princípio a causa inteligente fundadora do cosmo: Deus ou Ar. A questão, portanto, que o ENEM 2012 gostaria que você respondesse seria a letra D, mas, evidentemente, a letra E é a mesma letra D vista por outros "lados".

Por fim, outra questão que me chamou atenção fora esta 

Questão: Para Platão, o que havia de verdade em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formavam-se em sua mente.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).

O texto faz referencia à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C). De acordo com o texto como Platão se situação de ante dessa relação?

A) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas.
B) Privilegiando os sentidos e subordinado o conhecimento a eles.
C) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis.
D) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não.
E) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão.



Comentário da Questão: Talvez, a questão que menos pudesse gerar dúvidas, mas será mesmo? Para Platão as coisas passíveis de mudança, as da ordem do sensível, não eram confiáveis; apenas aquelas capazes de serem inteligibilizadas, isto é, tomadas e dominadas pelo intelecto, pela razão, aquelas que estão fadadas a ser sempre o que parecem ser, na linguagem metafísica de Platão, o que são (sua  imutabilidade, sua verdade), estas sim, portanto, são merecedoras de confiança, de fé, portanto, passiveis de razão: de serem inteligíveis, verdadeiras e mais do que isto: CONHECÍVEIS. Até aqui, então, o aluno que fez a prova do ENEM já encontraria a resposta desejada. Mas, aprofundando-nos um pouco mais... Como saber das "coisas do mundo" senão pela sensação que esta nos causa? A sensação não é o primeiro móvel, isto é, aquele que instiga o pensar? Não é ela o meio pelo qual somos tangidos pelas cordas do pensar, pela razão? Afeta-nos - que sensação! - até hoje este modelo de pensamento (Platônico)... Tanto que ainda hoje em questões como estas do ENEM 2012 Platão continua com a RAZÃO e Parmênides apenas com a SENSAÇÃO nos causando uma forte sensação de que Platão é mesmo o nosso herói. Portanto, a questão que o ENEM 2012 gostaria que você respondesse seria a letra D, mas um pouco mais fundo é a letra C que seria a nossa glória... Glória para um povo cansado de sofrer em busca das verdades encontrando apenas suas sensações. 

AS REPRODUÇÕES DE UM ENSINO E UM APRENDIZADO INDESEJÁVEIS E INDESEJADOS: É-NEM MELHOR FAZER KKKKK. Tenho dito!!!!

Nenhum comentário: