QUE a Academia (universidade) é PRECONCEITUOSA e BROCHANTE, talvez, ninguém duvide. Que intelectual é um "porre", que sabe muito pouco a respeito de quase nada parece ser outro "fato", que os intelectuais CULTUAM as múmias da música popular brasileira é outro fato, praticamente, um axioma. Ramsés I está para o Egito como Chico Buarque de Holanda está para a Academia. De repente, eu também era um desses "roceiros" da Academia que só queria saber daquelas múmias velhas da MPB; paro para ouvir honestamente a fanqueira Tati Quebra Barraco, queria saber o que ela cantava, o que diziam suas músicas, etc. Surpreendi-me. Comecei a perceber que as músicas da Tati eram RETRATOS sociológicos, políticos, da mentalidade, etc., embora ela nunca tenha entrado, talvez, numa faculdade de Sociologia. Perfeitamente, antenada nas mudanças sociais, culturais, de valores, Tati canta, por exemplo, a política feminista, canta as mudanças na mentalidade (seria excepcional alguém fazer um estudo da História das Mentalidades através do Funk de Tati: quando encontrar tempo farei eu mesmo, aprofundarei eu mesmo e apresentarei como Pós-doctor em Sociologia ou em História). Pois bem, vou oferecer alguns trechos de "Abre as pernas, mete a língua" e apontar que qualquer tipo de preconceito contra o funk e a Tati não podem ser sustentados. Contra o patriarcalismo, contra o machismo diz Tati às mulheres:
O tempo já é moderno e sexo tem que variar/ Se eles [os homens] quer que você mame, manda eles te chupar/ Canguru perneta, de quatro, de lado, linguinha na buceta
Tati trabalha o feminismo, a luta das mulheres pela equiparação de direitos, mínimos direitos inclusive: o direito ao prazer, trabalha a política sexual das mulheres. Instiga, pois, às mulheres a não compactuarem - na relação - em satisfazer apenas aos homens, mas, antes de tudo, em satisfazerem-se. Talvez, um moralista diria: "mas, para dizer isto precisava usar estas palavras?". Então, eu responderia: o modo como alguém diz as coisas precisa ser NORMATIZADO por mim, por você, por um alguém em particular? Em nome dos bons costumes, é? Os costumes BONS não são uma invenção não, mais, uma invenção aristocrática não? Portanto, o modo como Tati instiga as mulheres a reagirem à politica dos machos também ajuda a DERRUBAR o modo dos DIZERES instituídos pela MORAL-IDADE e ajuda a mudar a mentalidade da classe média e dos ricos. Ouça, pois, a voz do funk, a voz do morro, da favela. Portanto, é uma rejeição à colonização, a um modo de falar que não é próprio dos morros, das favelas: cantar assim, com estas palavras significa REJEITAR PEREMPTORIAMENTE a um processo de colonização pela Cultura como o que a sociedade brasileira vem sofrendo com o inglês, por exemplo. De outro modo, Tati percebe a TENSÃO gerada pelo feminismo em confronto com o machismo e não deixa de registrar tal tensão quando canta:
Uhh tá na moda, eu mandei mamar na horta/ Eu mandei mamar na horta, você falou que não/ Agora, sua safada, você vai mamar no chão
"Mamar na horta" significa o homem assumir a posição de passivo e fazer sexo oral, chupar a bucetinha da "mina", isto é, do ponto de vista político assumir o seu assujeitamento diante da mulher. Veja que Tati registra uma tensão. Não é o fato de MAMAR na horta, sabe-se, homens adoram chupar/mamar e contam isto até por vantagem em rodas-de-amigos. Percebe-se, pois, o caráter tenso e disputado quando no terceiro verso o suposto macho reage à outorga da mulher: "Agora, sua safada, você vai mamar no chão". Ou seja, "mamar no chão" significa a volta a passividade por parte da mulher e o chão ALUDE ao caráter do controle e da inferioridade: estar no chão significa na relação manter-se no lugar da impotência. Pois bem, é um SHOW a parte ouvir Tati cantar; melhor ainda é parar para pensar a respeito do que está sendo cantado na voz da favela, do morro. Esta disputa, entretanto, pode não ser apenas travada por questões culturais do machismo e do feminismo, mas pode ser NEGOCIADO,capitalisticamente. Canta Tati,
Tirar onda para eles é viver de sacanagem/ O gatinho até gosta, mas tu sabe como é/ Mas se ele PAGA O MOTEL, ELA faz o que eles quer/ Então de quatro, de lado, na tcheca e na boquinha/ Depois vem pra favela toda fresca e assadinha
Transcender, portanto, às questões culturais como estruturas fixas. Há um sociólogo chamado Anthony Giddens que inventou um termo que gosto: estruturação. Bom, percebe-se que o FUNK de Tati Quebra Barraco não é apenas um besteirol. A seu modo, problematizam-se as relações, armam-se as estratégias políticas de ação, derrubam-se as armadilhas intelectualóides dos roceiros da Academia. A política empreendida pelo FUNK não é partidária, não é teórica, é empírica, é potência, é vontade de. Para os que ainda PENSAM que nisto não há NOBREZA vá procurar as múmias da MPB e da UFPB e boa cicuta! Tenho dito!!!
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