O ORÁCULO
Tu não sabes, ó, estrela d’alva, mas eu pus o teu nome na minha criança. E dela fui pai sozinho. Gerei, geraste. Tudo, enfim, aconteceu. Nada há mais que possamos fazer. O bebê está farto, corado, uma belezura sem tamanho. É Mário Rafael o seu nome como o teu nome. Tem loura cabeleira, olhos claros, maçãs avermelhadas, lindos lábios; tem braços delicados, andar galopante, nariz empinado, uma princesa no andar. Tem a delicadeza das aves e a esperteza das onças, é lindo, sóbrio, atraente, figura fulgurante, brilhante como só tu, ó, estrela da manhã. Quando em vez, o infeliz se solta pelas ladeiras e sobe e desce e pula e ri... E já ninguém pode segurá-lo, pois força não há. Pois faça o que se faça, haja o que houver, a sina de um cabra é marcada onde ele próprio não sabe que é. Dois dias, pois, então, passou sumido Mário. Terreiros, capoeiras, mangues e lagos, ladeiras, esquinas, bares, cabarés; ninguém o viu, ninguém o tocou, ninguém o escondeu, ninguém o denunciou. Nem nos hospitais, nem nas delegacias, nem nos galpões, nem nas hospedarias, ninguém soube de Mário, nem eu que sou o pai. Hoje, pois, recebi o teu recado. Mário foi morar na estrela; foi galopando nu dorço dum cometa, foi caçar a mãe que lhe causava delírio. Deixou-me, pois, amargurado, só, fodido. Levou meu rum e meu batom, meu blush e minha escova preferida. Hoje perdi-te, ó, Mário, ó, estrela, mas amanhã as portas das rameiras voltarão a abrir e eu mergulharei na luz vermelha como dantes: calado, cismado e infeliz!
(João Cândido Tessar in: Contos da Cidade Baixa)
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