quarta-feira, 3 de novembro de 2010

PIABA


Piaba é um negrinho sestroso. Gaba-se pela cidade baixa de ser pauzudo. Mimosa Gardenal diz que é tudo mentira.

- Este aí não me mete o menor medo!

À noite, quando aparecem os leões-marinhos, os lobos e as jaguatiricas, esta assembléia das moneras, vem também juntar-se Piaba, doudo negrinho enviesado, de corpo quente, de sangue tinindo na jugular.

- Quero quenga especial.

O riso bruxuleante de Monique acende fácil na cara acizentada do negrinho. Os desejos da paixão. Fingisse ser o imperador Heliogabalo deixava correr-se como o reizinho que desejava possuído, ponderava ao canto da mesa Monique. 

- Mais gostosinho que Jerônimo, ah, é sim... Dá até viradeira nas tripas e tremedeira no coração. Se me quisesse, virava freira pra ser só dele.

Lá do seu canto o negrinho espia Monique que lhe espia também. Duas borboletinhas da noite. Dois moscões que reviram a carnificina da baixada e espalham o cheiro pútrido da depravação.

- Não é assim não siá dona. Pouca puta! - ouve-se apenas um reclamar de voz masculina.

Fosso úmido das gazelas, eis, pois. Ao fundo do Rancho surge Simone Pé de Anjo. Gargalhadas tristes, um palavrão se destaca:

- Caralho... Caralho para todo mundo! - gargalhadas.

Madrugada já do 2 de novembro. Nas janelas de algumas casas da baixa beijam flores os beija-flores, os colibris; as açucenas e camélias, os pirilampos ainda esvoaçam iluminando pontos aqui e ali. Na sacada de um casarão muito antigo sob a luz de um poste muito alto vê-se Monique e Piaba no afago acasalador e tenebroso das mariposas.


(João Cândido Tessar in: Contos da Cidade Baixa)

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