Seis horas da manhã minha acessora (despertador do meu celular) para assuntos internacionais me acorda dizendo: "São seis horas. É hora de levantar". Tomei um café preto, joguei uma camisa no corpo, calcei minhas adoráveis botinas, passei um gel-pasta sustenta fresco no cabelo e me danei para o ponto-pornô de ônibus. Uma velha me sorriu e no meio do riso gostoso a chapa (dentadura) escapuliu-lhe e ela ficou constrangida (pensei comigo: primeiro sinal que isto tudo será uma merda); fingi que estava tudo bem. O ônibus pára: a grande desgraça: LOTADO! Bem, o dever cívico me chamava. Duas cacetadas na cabeça, pisão no pé, um perfume básico de leite-de-rosas misturou-se com musk-avon no meu nariz... Tentei fingir, mas a nebulosa agitava-se cá dentro do meu nariz. Sem querer, ao espirrar, acertei uma ponta de "catota, meleca" na bolsa de uma senhora que me olhou um pouco indignada, mas nada falou. Enrubesci. Intimamente, indagava-me: o que irei fazer? Que desgraça se abateu sobre mim? No contorno da UFPB deparei com o Porteiro do Inferno, o buzão lotado, um som que vinha dos fundos do ônibus: "De que é feito afinal este teu coração?". Identifiquei na hora o vozeirão: Altemar Dutra. Enfim, tinha ainda um caminho a percorrer... Quando cheguei ao Terminal de Integração começou a Sessão Tortura. Ao descer, tomei um tombo, uma magrela veio-me ajudar, o sapato rasgou, a calça melou numa ponta de cocô. Desgraça, disse comigo. Pensei voltar para casa, voltar a dormir... Saí do terminal e fui para o ponto de ônibus de Bayeux. Uma hora esperando o buzão. Neste tempo, prestei atenção nos boêmios do mercado da Quinta-feira. Prostitutas sujas, bêbados iletrados dançando a dança da chuva. Aquilo foi me dando uma gastura, um bolo foi se formando na minha garganta... Engasguei. Uma velha amiga apareceu de repente... "João... João, ficou rico, hein? Nunca mais foi a Bayeux... Eita, rapaz, enricou mesmo. Olha só como tá mais gordinho. Casou? Soube que você tá morando... To orando por você, viu?" A antiga amiga, ex-de-todo-mundo, agora era batizada no espírito santo, missionária da Assembléia de Deus, quase me fazia um exorcismo alí mesmo no meio dos bêbados e prostitutas do mercado... Nunca apelei tanto pra chegar à minha seção eleitoral. Enfim, o ônibus chegou e esta antiga amiga foi me explicando os mandamentos e poderes de Deus; falou de Jesus e eu me senti um índio sendo catequizado. E quando pensei que tudo já tinha acontecido, quando desço do ônibus no antigo bairro da minha infância... Arrancaram-me do ônibus, começaram a gritar "João chegou, João chegou"... A rua parou. Pisei numa criança, apalpei uma bunda charmosa, fiz um gute-gute nas bochechas de uma pirralha que diziam ser minha sobrinha postiça... Mas, a merda continuava na barra da minha calça. Enfim, consegui chegar à minha seção eleitoral. Na fila rolava aquelas análises profundas. Ofereceram-me até água. Indagavam-me sobre o gov. Maranhão, sobre a administração de Ricardo. Mantive-me monossilábico o tempo inteiro. Minha vez. Entrei, entreguei a RG. Votei. Enfim, disse comigo: terminou. Agora é volta para casa... Aceno para um carro que faz alternativo. No meio do caminho o motorista atropelha um cachorro e eu entro em choque. Acordo dez minutos depois: Onde estou? Um gordo do bigodão gritava: O senhor pode me ouvir? Sabe dizer quem é? Sabe seu nome? Sente alguma dor?... A imagem do cachorro morto se desfazia em meio a graciosidade preocupada que me indagava quem eu era. A eleição... Ah, nem mais me lembrava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário